E mais um espectro invisível passa despercebido pela
multidão. Seu nome? Ninguém sabe, afinal espectros não em nome, espectros não
existem. Sua existência é despercebida, mas sua inexistência é percebida nos
olhos daqueles que fazem questão de não vê-lo. Por que? Pelo simples fato dele
ser um fantasma de um outro mundo. Ele não é do nosso então para que notar que
existe?
Uma freada, uma batida, som de estilhaços e o espectro invisível
inexistente deixa de existir chegou à ele chegou à inexorável morts destinada à todos que vivem. Tânato veio
buscá-lo. Os curiosos olhos outrora cegos agora veem o espectro. O invisível
passa a ser visível, o inexistente passa a existir. Que incongruente! Deve-se
deixar de existir para passar a existir!
Algumas
almas comovidas acendem velas. Ao anoitecer chegam os homens do saco preto. Com
agilidade e frieza põe o caro
data vermibus em algor mortis em mais um de seus sacos. Nosso
espectro agora em rigor mortis descansa sobre a mesa lousa de seu legista. Pelo
menos na morte os espectros passam a existir, mesmo que sem nome ou herança.
Enfim emitem sem D.O. seu nome, endereço, data de nascimento... Não importa.
Causa mortis? Traumatismo crânio-encefálico. E agora o que fazer com o livor
espectro? Mandá-lo para uma escola de medicina, para servi a uma humanidade que
por ele passou indiferente? Mandá-lo para que nossos futuros cirurgiões aprendam
anatomia? Mandá-lo para uma eterna rotina de tanque, mesa, tanque mesa?
Mandá-lo para que curiosos olhos o veem? Mandá-lo para ser mais uma peça de
estudo? Mandá-lo para que recitem mais uma vez o poema de Rokitansky? Ou enterrá-lo como indigente em uma área pouco visitada do cemitério
onde: velas não queimam, flores não murcham e olhos não choram? Sendo mais um caro data vermibus indigente dado ao esquecimento?
Para
ele pouco importa o que façam, afinal nada pode ser pior que ser esquecido
enquanto vivo, nada pior que não existir enquanto existe, nada pior que ser um
espectro invisível, nada pior que ser mais um mendigo que trafega por nossas movimentadas
ruas, em que apressadas pernas transcorrem sem vê-los. Nada pior que garimpar
seu alimento em um pilha de lixo como um garimpeiro garimpa com sua batéia. Nada pior que ser um esquecido em uma sociedade que não se
lembra de ser humana.