quinta-feira, 22 de março de 2012

CAro DAta VERmibus


            E mais um espectro invisível passa despercebido pela multidão. Seu nome? Ninguém sabe, afinal espectros não em nome, espectros não existem. Sua existência é despercebida, mas sua inexistência é percebida nos olhos daqueles que fazem questão de não vê-lo. Por que? Pelo simples fato dele ser um fantasma de um outro mundo. Ele não é do nosso então para que notar que existe?
            Uma freada, uma batida, som de estilhaços e o espectro invisível inexistente deixa de existir chegou à ele chegou à inexorável morts destinada à todos que vivem. Tânato veio buscá-lo. Os curiosos olhos outrora cegos agora veem o espectro. O invisível passa a ser visível, o inexistente passa a existir. Que incongruente! Deve-se deixar de existir para passar a existir!
            Algumas almas comovidas acendem velas. Ao anoitecer chegam os homens do saco preto. Com agilidade e frieza põe o caro data vermibus em algor mortis em mais um de seus sacos. Nosso espectro agora em rigor mortis descansa sobre a mesa lousa de seu legista. Pelo menos na morte os espectros passam a existir, mesmo que sem nome ou herança. Enfim emitem sem D.O. seu nome, endereço, data de nascimento... Não importa. Causa mortis? Traumatismo crânio-encefálico. E agora o que fazer com o livor espectro? Mandá-lo para uma escola de medicina, para servi a uma humanidade que por ele passou indiferente? Mandá-lo para que nossos futuros cirurgiões aprendam anatomia? Mandá-lo para uma eterna rotina de tanque, mesa, tanque mesa? Mandá-lo para que curiosos olhos o veem? Mandá-lo para ser mais uma peça de estudo? Mandá-lo para que recitem mais uma vez o poema de Rokitansky? Ou enterrá-lo como indigente em uma área pouco visitada do cemitério onde: velas não queimam, flores não murcham e olhos não choram? Sendo mais um caro data vermibus indigente dado ao esquecimento?
            Para ele pouco importa o que façam, afinal nada pode ser pior que ser esquecido enquanto vivo, nada pior que não existir enquanto existe, nada pior que ser um espectro invisível, nada pior que ser mais um mendigo que trafega por nossas movimentadas ruas, em que apressadas pernas transcorrem sem vê-los. Nada pior que garimpar seu alimento em um pilha de lixo como um garimpeiro garimpa  com sua batéia. Nada pior que ser um esquecido em uma sociedade que não se lembra de ser humana.